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Chorizo: um encontro de gastronomia e arquitetura em Buenos Aires
Por que a palavra 'chorizo' pode remeter à gastronomia ou à arquitetura em Buenos Aires
20 de Outubro de 2021

No acervo do Museu do Prado na espanhola Madrid, a obra El choricero, de 1786, traz um não muito simpático vendedor de chorizo de mais de 2 metros de altura. O chorizo, para quem não sabe, é uma linguiça encontrada facilmente em cidades que tiveram ocupação espanhola. Seja nas ruas de bairros mais residenciais, seja no interior de restaurantes, em Buenos Aires não é difícil encontrar uma churrasqueira (acá, parrilla) com chorizos enfileirados sobre o fogo. Repartido ao meio, com uma manta de chimichurri, o embutido descansa (não por muito tempo) em um pão, combinação que recebe o nome de choripan, chori para os íntimos.
A popular delícia da culinária argentina está na arte, na gastronomia e, também na arquitetura. Sim, o modelo de construção com mais identidade por aqui segue conceitos do design e tem nome: casa chorizo. A inspiração veio da casa de pátio romana, que aqui foi dividida quase que ao meio, com um longo corredor como elemento de estilo. Para alguns, aí está o chorizo. Para outros, são os quartos, um seguido do outro em fileira, como chorizos em uma parilla. Sendo um chorizo ou vários deles, ele é homenageado em paredes erguidas entre 1880 e 1930 quando a imigração italiana foi mais intensa para esses lados.

Esse modelo de casa que eles traziam na bagagem e que ansiavam por construir precisou ser adaptado. Os lotes eram de dez varas espanholas de frente, o equivalente a 8,66 m, tamanho suficiente para um corredor e a lateral de um cômodo. Sem janelas, as paredes laterais externas são medianeras, suportes para receber o lar de outro imigrante desejante. O fio condutor do filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual, de 2011, usa dessas estruturas para abordar vida e amor nos nossos tempos. Se você assistir, vai saber do que estou falando.
Voltando ao passado, tem uma beleza sobre o tempo das coisas na casa chorizo. A prioridade era construir quartos, pátio, e, ao fundo, cozinha e banheiro. a frente era a última parte, podia demorar anos e, por isso, era chamada de esperança. Era comum fazer um jardim com hortênsias ou plantar um limoeiro nessa área, e se a vida financeira prosperasse, construíam ali loja, escritório ou oficina.

A fachada emoldurava o sonho de décadas anteriores. As que foram feitas ainda no fim do século XIX seguiam os estilos neoclássico e neobarroco, com peças decorativas que podiam ser adquiridas já prontas em um dos tantos talleres de escultor. Essas oficinas tinham catálogos com os modelos usados do outro lado do continente e esse é um dos motivos de ter muito de Europa por aqui.
Na virada do século, seguindo as tendências internacionais, o estilo art nouveau e sua presença do feminino e da botânica passou a ser escolhido para as fachadas. Ele prosperou mesmo nas décadas seguintes, quando vieram o art déco o estilo trend. As formas geométricas não foram tão aclamadas inicialmente, e nem mesmo a visita de Le Corbusier conseguiu mudar o desejo que pairava de ser Buenos Aires uma Paris latina.

Um elemento que ajuda a identificar a casa chorizo é a porta de entrada, com seus 3 metros de altura. Se forem duas portas iguais, provavelmente a da esquerda dá acesso direto ao pátio ou a uma escada (caso haja um andar superior ), e sua metade gêmea se lança ao corredor-chorizo.

Para escrever essa coluna revi um vídeo do arquiteto argentino Carlos Moreno lembrando que "uma fachada não é para quem está dentro, e sim uma mensagem de quem está dentro para os que estão fora". Pergunto-me quem, no século XX, encomendou uma fachada com algo de medieval que me deparei outro dia flanando pela cidade. Ao lado, outra casa com revestimento cerâmico marrom brilhante. Essas irregularidades estéticas são, para mim, o chimichurri de um saboroso chori.