cultura
Um dia no museu
Conheça o trabalho da produtora Adriana Rodrigues, uma das responsáveis por tirar do papel exposições do Masp e Japan House
09 de Janeiro de 2023

Ah, que bom seria poder terminar todas as tardes de calor abafado na cidade com uma visita a um museu, principalmente depois de um dia cansativo de trabalho. Conhecer cada exposição como a palma da mão e mergulhar na história da arte, um quadro por vez. Essa é a vida da produtora Adriana Rodrigues (@cabinetbrain) - bom, mais ou menos. Formada em Crítica, Comunicação e Curadoria pela Central Saint Martins, em Londres, hoje ela faz parte dos times de produção do Museu de Arte de São Paulo e da Japan House. Pode parecer bem glamuroso agora, mas não foi bem assim que sua carreira começou.
Depois de voltar da temporada que passou em Londres, o acaso foi o grande responsável por inseri-la no mercado de trabalho. O acaso e a terapia. "De tanto chorar para minha terapeuta que estava com dificuldade de me inserir no mercado das artes depois de formada, ela sugeriu que eu tomasse café com a filha de uma outra paciente que ela atendia. Fui tomar esse café, e três meses depois abriu uma vaga na produtora em que ela trabalhava.Trabalhei lá por dois anos e foi meu primeiro emprego de verdade", conta Adriana.
Aliás, já passou pela sua cabeça como uma exposição sai do papel? Entrevistamos a Adriana para entender melhor como esses processos acontecem.

IL: Como funciona a sua rotina de trabalho no MASP e na Japan House?
AR: Tenho funções muito diferentes em cada lugar. Na Japan House sou responsável pela produção executiva das exposições temporárias, o que significa que faço o planejamento e gestão geral de cada exposição, especialmente na parte financeira e administrativa. Já no MASP, eu trabalho no departamento editorial que também envolve produção executiva, mas voltada somente para os catálogos das exposições. Normalmente, brinco que "tudo que não é texto, eu que cuido" - então isso engloba licenciamento de imagem, registro de obras, acompanhamento da impressão do livro, contratos com autores, e por aí vai. E claro, o orçamento de tudo. Infelizmente quando se trabalha com produção não tem como fugir dos números.
Eu já trabalhei muito como produtora de exposições - tanto no MASP e Japan House, quanto em outros lugares - e, de uma forma bem resumida, o processo de preparação é: após recebermos a lista de obras de arte do curador, a equipe de produção é responsável por analisar a viabilidade financeira e disponibilidade das obras para participarem da exposição. Mediante a confirmação da participação da obra (pelo colecionador ou pela instituição), a equipe de produção corre com duas frentes: a da obra em si, e a da obra dentro da exposição.

Da obra em si, depois do contrato de empréstimo ser assinado, é preciso coordenar e planejar a coleta junto com a transportadora, a seguradora, e a equipe de conservação - tudo isso é feito com muito cuidado para garantir a integridade da peça durante o período de empréstimo. Já na exposição, a equipe de produção trabalha diretamente com as equipes de arquitetura, iluminação, conservação, montagem e curadoria para entender como será o cronograma da exposição, coordenando que dia cada obra será montada de acordo com sua chegada no museu e sua especificidade. Também tem toda a vertente que não engloba as obras, como a parte gráfica e instalação das legendas e sinalização do espaço. Toda essa logística precisa ser feita dentro de um orçamento e cronograma pré-estabelecido, que normalmente é apertadíssimo - o que complica o nosso trabalho mas também o torna mais satisfatório e desafiador no final.
IL: Em quais exposições você mais gostou de trabalhar?
AR: Claro que todas tem sua peculiaridade e um momento inesquecível que fica guardado na memória, mas duas exposições em particular me emocionaram demais, ambas no MASP: "História das Mulheres: artistas até 1900 (23.8-17.11.2019)" e "Anna Bella Geiger: Brasil Nativo/Brasil Alienígena (29.11.2019-1.3.2020)"

IL: O que te levou ao mundo das Artes? Foi algo que você sempre gostou?
AR: Foi algo que eu sempre tive muito interesse. Desde pequena sempre fui hiperativa e descontava isso em atividades criativas - apesar de logo descobrir que não nasci pra ser artista. No momento que consegui perceber esse interesse, decidi que queria tentar ficar mais perto de qualquer tipo de arte no ramo visual, especialmente pintura, cinema e fotografia.
IL: Qual é a importância do senso crítico para fazer o que você faz? E como apurá-lo?
AR: Como meu trabalho é muito baseado em lógica e organização, a importância do senso crítico floresce na hora de saber que desafio priorizar e, sempre que possível, antecipá-los antes que eles se tornem preocupantes. Não existe nada consciente que eu faça para apurá-los, mas se tivesse que pontuar algo que eu gosto de fazer e me ajuda na hora da organização seria o simples hábito de, semanalmente, ler meus e-mails na ordem cronológica reversa (dos mais antigos para os mais novos) para ter certeza que eu não deixei nada passar.

IL: Quais são seus artistas favoritos?
AR: Sei que isso vai soar extremamente cliché, mas meus artistas favoritos são meus amigos. Tenho sorte de ser rodeada por pessoas criativas e talentosas, não me canso de me surpreender com o trabalho e criatividade de cada um e faço questão de listá-los aqui:
André Iosolini (@iosolini)
Bruna Sussekind (@brunasussekind)
Gab Ferreira (@oigabferreira)
João Falsztyn (@joaofalsztyn)
Karina Yamane (@kryamane)
Larissa Laban (@ah23ks9 e @larissalaban)
Lorenzo Beust (@lorenzobeust)
Olivia Yokouchi (@___yokouchi)
Xobaia (@_gotas_de_orvalho)
Se tivesse que indicar um artista emblemático favorito, seria o Paul Gauguin. Mesmo com toda narrativa problemática que assombra o trabalho dele, aprecio sua capacidade de navegar e executar outros meios além da pintura, como seus trabalhos em cerâmica e madeira.

IL: A cultura no Brasil é muito rica, apesar dos cortes de verba que vêm sofrendo, principalmente nos últimos anos. Na sua opinião, o que falta para o mercado cultural brasileiro ser considerado um dos melhores do mundo?
AR: Acredito muito no poder do coletivo e na preservação de espaços que permitem experimentação. Eu acho que falta no Brasil espaços que são acessíveis para poder executar idéias sem compromisso burocrático. As leis de incentivo são incríveis, mas dão um trabalho danado que acaba desmotivando qualquer trabalhador cultural que está querendo dar o primeiro passo. Em São Paulo, o Ateliê397 (@atelie397) faz isso de uma maneira exemplar, desmistificando todos os "bichos de sete cabeças" do mundo das artes, atendendo os interesses e desenvolvimento de artistas, gestores, críticos, e curadores. Acredito que se houvessem mais lugares assim espalhados pela cidade, a cena de artes no Brasil se desenvolveria com uma potência ainda maior, democratizando e facilitando a entrada no ramo, sem necessariamente ser através de uma instituição.

IL: Para terminar, se pudesse vivenciar qualquer movimento artístico da história, qual você escolheria?
AR: Apesar de querer responder "começo do simbolismo" - só para ficar mais perto de Gauguin -, uma parte minha acha que seria muito divertido e confuso vivenciar os primórdios do minimalismo, especialmente nos Estados Unidos. Aquela confusão generalizada do "isso é arte mesmo?" me faria muito bem, me sentiria desafiada e intrigada por tudo.
