lifestyle
Vida de nômade
O fotógrafo e criador de conteúdo Pedro Beck conta como é viver em constante movimento a bordo de seu motorhome
27 de Janeiro de 2023

Devem existir poucas coisas no mundo que te fariam abandonar o único estilo de vida que conhece para cair na estrada e não olhar para trás. Afinal, essa vida nômade, onde seu jardim muda constantemente e a vizinhança de hoje não é a mesma de ontem, não parece ser um desafio feito pra qualquer pessoa.
Então, qual é o gatilho? Como ele funciona?
O ano era 2015 e Pedro Beck, até então formado em jornalismo e trabalhando no mercado publicitário há dez anos, estava esgotado. Apesar de ganhar bem para os parâmetros da época, sentia que o momento definidor havia chegado. "Sentia que, ou aquela vida iria se absorver totalmente à mim, ou eu mudava radicalmente e iria atrás de viver meus sonhos", lembra.
A ideia inicial - a mais simples - era fazer um mochilão pelo mundo, mas então, em uma viagem de final de semana para acampar, o universo resolveu colocar a cachorrinha Sofia em seu caminho. Os planos tiveram que se adaptar, já que Sofia a partir de então, nunca ficaria de fora de nenhum deles, e foi aí que o motorhome começou a fazer sentido para Pedro. Depois de um ano, a dupla partiu com o pouco dinheiro guardado e alguns patrocínios pontuais.
"Tinha certeza que viajaria por um ano, entre EUA e Canadá. Sete anos depois, continuo aqui. Cruzei as Américas, do Alaska à Argentina, por 20 países e contabilizo mais de 130 mil km dirigidos ao lado da Sofia e também do Anthony, meu outro cachorro, que adotei nos EUA".
"O que mais me inspirou a viver essa vida foi a possibilidade de trabalhar remoto de onde eu quisesse. Como fotógrafo, sentia que com um pouco de planejamento, logística, e responsabilidade financeira, essa visão que eu tinha era possível. Sabia que queria estar mais próximo da natureza, ter um estilo de vida mais slow living e procurar me conectar mais comigo mesmo, sem abrir mão de seguir crescendo e me aprimorando profissionalmente. É como diz o ditado: "vá com o coração, mas leve o cérebro com você."
Entrevistamos o Pedro para saber mais sobre seu dia a dia e os desafios que enfrenta pela jornada. No final do bate-papo, ele compartilha uma dica de ouro para quem sonha em abdicar de tudo e ter o mundo inteiro na palma da mão.

IL: Como funcionou o processo de encontrar patrocínio e da escolha do motorhome perfeito, que se encaixasse com as suas necessidades?
PB: Pelo background na publicidade, sempre tive facilidade em captar e prospectar. Tudo começa com uma boa apresentação, deixando claro o que você pode fazer pelo cliente. Meu primeiro patrocínio foi da Absolut e hoje, é engraçado ver que mal sabia o que estava fazendo.
O motorhome perfeito não existe, todos têm seus prós e contras. Pesquisei muito e tentei aprender o máximo possível sobre todo esse mundo novo que se abria. O que eu sabia é que eu queria algo pequeno, fácil de dirigir e que me permitisse acampar em lugares mais remotos sem muita dificuldade. A autonomia do veículo é sempre fundamental também: um sistema de painéis solares ou gerador que te permita não ter que pagar todos os dias para dormir, e poder acampar em um deserto sem precisar de amenidades de terceiros.
IL: Como é um dia típico no seu motorhome?
PB: Depende se é um dia de ficar ou partir. Se fico onde já estou, acordo com calma, respondo e-mails, passeio com os cachorros, cozinho, me alongo, faço uma trilha ou caminhada, lavo roupa, limpo a casa, trato fotos e vídeos… Agora, se é um dia de estrada, levanto mais cedo e já parto. Aproveito a noite para sempre comer algo mais leve e interagir com os seguidores. Também planejo o dia seguinte e faço uma fogueira quando é permitido.

IL: Quais foram os maiores desafios que você encontrou pelo caminho?
PB: Um dos grandes desafios da vida nômade é a saudade que você sente das pessoas que mais ama. Ainda que a solitude seja tão importante para o autoconhecimento e ainda que o silêncio seja tão sagrado em um mundo tão barulhento, a troca humana faz falta e bem à saúde.
A solução aqui é se conectar com as pessoas que cruzam nosso caminho. Sempre digo que viver na estrada não é sobre os lugares, mas sobre as pessoas que encontramos e levamos em nossos corações. Os melhores momentos são justamente essas pausas onde as pessoas acabam te ajudando, e assim formando uma rede de apoio por todos os países que passo. Amo ter amigos e amigas em todos os lugares das Américas, pessoas maravilhosas que me conecto semanalmente.
Viver e experienciar a cultura e culinária local é algo que sempre me toca também. Aliás, meu cachorro chama Anthony em homenagem ao Anthony Bourdain, que é o maior exemplo que carrego comigo sobre tatear e experimentar o mundo, os países e culturas. Acho que nomadismo é também sobre se colocar em situações extremamente desconfortáveis, como ensinava Bourdain, que acabam trazendo grandes ensinamentos à alma.
Agora, em termos mais práticos, viver uma vida na estrada é cansativo pois você está sempre suscetível a tudo ao seu entorno. É preciso ter uma atenção plena constante no presente e acreditar na sua intuição em relação à própria integridade física. Além disso, é uma questão diária encontrar esse equilíbrio entre "se jogar" por aí e parar um pouco para cuidar de si. Tomar banho todos os dias é um luxo que poucos têm e se exercitar dia sim, dia não, é mais difícil do que parece. Um grande desafio é trabalhar com possibilidades o tempo inteiro, já que as coisas raramente saem como planejado. É um constante ensinamento de abrir mão do controle e apenas fazer o seu melhor.

IL: Como você decide para qual lugar ir e quando partir? E se tivesse que escolher um lugar que te marcou mais, qual seria e porquê?
PB: Isso é o que eu mais tento deixar aberto, mas como faço meus projetos e viagens sempre pautados por natureza, consigo desenhar uma rota baseada em parques nacionais, florestas, montanhas, desertos e etc. Sei por onde quero passar, mas os dias em cada lugar deixo sempre em aberto, de acordo com meu feeling: se gosto, vou ficando, sigo em frente se já tive o suficiente daquele lugar.
Dirigindo nas Américas por tantos anos, as terras que mais me marcaram foram a península da Baja California, no México. E também no México, a região das Chiapas com toda sua cultura Maia. A cidade de Antigua, na Guatemala, o Peru como um todo e o silêncio do Uruguai. Seja pela paz, pela simplicidade, pela cultura, pelo misticismo, são locais que guardo com carinho e quero sempre voltar. É muito difícil escolher só um, mas se tivesse que apontar o melhor lugar no mundo, seria o México. Não existe país melhor.

IL: O que você aprendeu sobre si mesmo durante a jornada?
PB: Que peregrinar para se conhecer é uma besteira se você não estiver completamente aberto ao seus entornos. Aprendi a controlar minha ansiedade e entender que não existe "dar errado", as coisas apenas saem de uma forma diferente do que você previu. Para conseguir me conectar todos os dias comigo mesmo, preciso me amar, me aceitar, entender que existe um limite do que consigo fazer.
A vida na estrada é um suco de imprevisto constantes e te coloca em situações onde você é obrigado a abrir mão do controle e olhar pra dentro. Tirar a melhor lição daquilo que está acontecendo e decidir a melhor solução para resolver os problemas é fundamental.
Em retrospectiva, vejo que meu estilo de vida me faz crescer de uma forma que admiro e honro. Não sei como teria sido minha vida se eu tivesse escolhido o outro caminho, e sou grato pela desconstrução que a estrada me trouxe - como ser humano, mas principalmente como homem.

IL: E os planos para o futuro? Passa pela sua cabeça parar e fincar raízes em algum momento?
PB: Não sei em que momento essa vida se emaranhou 100% à mim, mas, do alto do meu privilégio, hoje é quem sou, o que amo ser e seguirei sendo. Deixo o futuro aberto, atento aos sinais do universo, e abro mão de analisar. Me concentro totalmente em viver o presente.
Profissionalmente, vou adaptando meu estilo de vida à minha condição física, mental e financeira. Às vezes pode ser um pouco extenuante, mas nunca quero parar de viajar e dirigir, documentar um pouco desse lifestyle para os mais jovens, para que os inspire e mais e mais pessoas escolham experimentar esse sentimento, conciliando seus sonhos com a capacidade profissional de viverem onde quiserem. Nossa passagem por aqui é muito curta, portanto, criem suas visões e vivam suas verdades, desde que elas nunca sejam absolutas.
IL: Quais são os conselhos que você daria para alguém que pensa em enfrentar a mesma jornada?
PB: Morar em um motorhome é uma delícia, não é tão complicado quanto parece e te permite a ter acesso a um estilo de vida muito simples. Viajar pelas Américas e estar em constante movimento, cruzando fronteiras, é a coisa mais extenuante que já fiz na vida e também a melhor. Te desafia física e emocionalmente todos os dias. Te arrebata como um furacão e te acaricia como uma luva macia. Te faz crescer uma década a cada ano.
Meu conselho é que cada um crie suas visões e viva por elas. Nunca vai existir o momento certo, a grana suficiente, a maturidade e o know how adequado. Pesquise, faça perguntas, se planeje, tenha diferentes fontes de renda e vá. Como disse Amyr Klink, "em algum momento é preciso parar de sonhar e simplesmente partir."

